Há milhares de anos o uso medicinal da Cannabis já era descrito. O primeiro registro data de 2.900 a. C., como parte da farmacopeia vinculada à Medicina Tradicional Chinesa.
Estamos vencendo um tempo de grande obscurantismo e de demonização da Cannabis medicinal que começou a partir dos anos 30. Por meio do necessário esclarecimento científico à sociedade brasileira, estamos vencendo o preconceito quanto ao uso medicinal da Cannabis, para assim fazê-la voltar ao lugar de destaque de onde nunca deveria ter sido retirada nas políticas públicas em benefício da Saúde Coletiva.
A medicina moderna tem colhido frutos de pesquisadores que se mantiveram perseverantes na luta contra o preconceito e a desinformação, como o Dr. Mechoulam, químico búlgaro-israelense, e o Professor Dr. Elisaldo Carlini, médico, psicofarmacólogo brasileiro – ambos com trabalhos imprescindíveis no desenvolvimento das pesquisas em relação à Cannabis no mundo.
Para hoje, finalmente, estarmos vivenciando este período histórico de resgate do uso terapêutico desta planta, tem sido essencial o investimento em pesquisas, incluindo aquelas à base de cooperação internacional. Nesse sentido, foi de especial importância a integração de atividades entre o Dr. Mechoulam e o Dr. Carlini sobre o potencial terapêutico da cannabis e de outras substâncias psicotrópicas, culminando, por exemplo, na descoberta de receptores específicos para os componentes da Cannabis: o “sistema endocanabinoide”, conhecido desde a década de 90.
Os componentes da planta se ligam naturalmente, em perfeito encaixe a receptores de nossas células. Daí vêm as propriedades ansiolíticas, panicolíticas, antipsicóticas, neuroprotetoras, neurogênicas, anticonvulsivantes, antiespasmódicas, analgésicas, anti-inflamatórias, antitumorais, etc.
A Cannabis medicinal tem transformado vidas de pacientes e de familiares, na medida em que cobre as mais diversas condições clínicas, tendo em vista os efeitos em variadas funções fisiológicas e metabólicas: modulação da resposta imune; apetite; sono; ansiedade; emoção; reprodução; sexo; remodelagem de circuitos neurais; formação de novas memórias; extinção de memórias traumáticas; neuproteção; neurogênese; percepção; coordenação motora; fluxo de pensamentos; criatividade; motivação; dor, locomoção, funções cardiovascular e respiratória, pressão intraocular; inflamação etc.
No Brasil, há ainda um certo preconceito com o uso do Delta-9-tetrahidrocannabinol (THC), que possui ação psicoativa mais elevada em comparação com o canabidiol (CBD), mas estudos indicam que pacientes que utilizaram o óleo com THC apresentaram ainda mais acentuada curva de desenvolvimento positiva.
Considerando relatos de pesquisas focadas nos efeitos benéficos do canabidiol (CBD), com base no relato de caso, sugere-se óleo com alta concentração deste constituinte não-euforizante da Cannabis, que tem sido apregoado por seus efeitos antipsicóticos, ansiolíticos e anti-inflamatórios.
A despeito de serem necessários mais estudos, pesquisas relatam que a administração aguda de CBD tem mostrado melhora da função cognitiva, com destacada ação neuroprotetora.
Estudos indicam que, em indivíduos com esquizofrenia e outras psicoses, um histórico de uso de Cannabis pode estar relacionado com melhor performance em testes de aprendizagem e memória. Os pacientes geralmente demonstraram melhora no desempenho em um número de testes, particularmente naqueles que avaliaram funções executivas. Melhora também foi notada em diversos indicadores de qualidade de vida, sono e de sintomas depressivos.
Os resultados de várias pesquisas internacionais e nacionais sobre os mecanismos neurobiológicos e o potencial terapêutico do uso de Cannabis Medicinal reforçam a indicação e o manejo clínico com foco em uma rede de profissionais médicos e dentistas prescritores, psicoterapeutas e outros profissionais de saúde, que juntos realizem um trabalho integrativo em prol da melhoria da qualidade de vida de pessoas e famílias que convivem, por exemplo, com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG),Transtorno de Ansiedade Social, Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), Síndrome de Pânico, Depressão, Síndrome de Burnout (Esgotamento Profissional), Abuso e Dependência Química, Síndromes Demenciais, Parkinson etc.
Nesse sentido, um dos principais objetivos a que chegamos por meio do tratamento terapêutico com a Cannabis medicinal é a retirada via gradual redução, principalmente (mas não apenas) dos medicamentos neuropsiquiátricos, convencionalmente prescritos, com a finalidade de evitarmos o estresse químico, devido à alta toxicidade e inúmeros efeitos colaterais extrapiramidais.
Por outro lado, existem muitos estudos que indicam que a Cannabis medicinal não é tóxica. Temos em nosso organismo canabinoides que, ao interagirem com os que são encontrados na planta, alteram em um sentido muito positivo a curva de desenvolvimento dos pacientes, sendo tanto mais efetivo o tratamento quanto mais presente o acolhimento feito por multiprofissionais capacitados, com destaque à área da psicoterapia assistida com Cannabis Medicinal.
Diversas pesquisas já mostraram a relação entre cannabis e o contato com a natureza. Em nossa própria prática clínica, temos constatado que pacientes e familiares usuários, por exemplo, da Cannabis medicinal, tornam-se muito mais abertos a novas experiências, mais conectados com o mundo ao redor e mais espiritualizados, mais conscientes e preocupados com a conservação do planeta e do meio ambiente.
É muito bom saber que é crescente o número de profissionais que se interessam em se atualizar acerca das descobertas científicas em torno da terapêutica com os produtos à base de Cannabis. No Brasil, somos número crescente de multiprofissionais integrativos, engajados, contribuindo para este movimento global em prol da Saúde Coletiva, transformando vidas através da Cannabis Medicinal – este tratamento alternativo, integrativo e complementar.
Glória Moura Alves
Sanitarista, Especialista em Gestão da Saúde do Idoso e Saúde da Família, Homeopata Integrativa, Biomédica e Cientista natural em formação
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