RDC 327/2019 - ANVISA

A RESOLUÇÃO DE DIRETORIA COLEGIADA Nº 327/2019, DA ANVISA

O acesso aos benefícios terapêuticos da Cannabis sp. no Brasil sempre enfrentou a problemática dos elevados custos dos produtos importados e a burocracia dos trâmites de importação que, em consequência, geram mais uma pauta para demandas ao Judiciário. Esse cenário vislumbrou uma possibilidade de melhoria em dezembro de 2019 através da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 327/2019, publicada pela ANVISA. De maneira inédita, a RDC autoriza a importação, fabricação e comercialização de produtos à base de extratos Cannabis, incluindo os medicamentos de CBD e THC, possuindo 78 artigos divididos em 6 capítulos.

Os dois primeiros capítulos abordam as disposições gerais da RDC. Pelo artigo 1º, são definidas as condições e procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais de uso humano, e dá outras providências. Nota-se a especificação de “uso humano”, uma vez que o uso da Cannabis para medicação de animais já é realidade em outras partes do globo. Algumas regiões dos EUA, por exemplo, desde 2017 começaram a desenvolver o tratamento de cachorros que sofriam dores pela idade avançada a partir dos compostos da Cannabis sativa L.

O artigo 4º define as condições do produto, instruindo os médicos a prescreverem segundo as seguintes condições: para produtos que contém até 0,2% de THC, profissionais deverão seguir a receita tipo ‘B’. Já para os que contém níveis superiores a 0,2% de THC, a receita utilizada deverá ser do tipo ‘A’, considerando a necessidade de maior rigor no controle. A regra se dá pelo potencial de dependência associado ao produto, destinado de forma exclusiva aqueles que já esgotaram suas opções de tratamentos terapêuticos e à pacientes com situações clínicas irreversíveis ou terminais.

Nos termos do art. 7°, a ANVISA concede a “Autorização Sanitária” (AS) para a fabricação e a importação de produtos de Cannabis, após aprovação do pedido encaminhado. Os anexos da RDC 327/19 trazem os documentos a serem preenchidos para essa solicitação, sendo um formulário de dados da empresa e do produto e uma declaração de ciência e cumprimento das normas sanitárias vigentes para a fabricação ou importação e comercialização do produto de Cannabis. A partir da obtenção da AS, os produtos poderão ser vendidos aos pacientes em farmácias e drogarias do país, com exceção das farmácias de manipulação. Isso significa celeridade em um processo que costuma ser mais demorada, pois agora o paciente poderá se dirigir à farmácia mais próxima e adquirir os produtos indicados pelo médico e iniciar seu tratamento de forma imediata.

A Autorização Sanitária para comercialização nacional de produtos à base de Cannabis terá prazo improrrogável de 5 (cinco) anos, contados após a data da publicação da autorização no Diário Oficial da União, conforme texto do artigo 8º da RDC. Os parágrafos do artigo 8º tratam do registro do produto, que pode ser feito pelo próprio sítio eletrônico do governo. O caput artigo 10 e seus parágrafos elencam regras específicas aos produtos de Cannabis, como: autorização para utilização apenas por via oral ou nasal; qualidade farmacêutica para uso humano; proibição de adição de substâncias isoladas ou potencialmente tóxicas. Destacam-se os parágrafos 5º e 6º por, respectivamente, diferenciar o que é ou não um produto à base de Cannabis para fins medicinais e vedar a comercialização in natura.

Define-se ainda pelos artigos 11 ao 15, encerrando o Capítulo II, que os produtos de Cannabis importados devem estar devidamente regularizados pelas autoridades competentes em seus países de origem; é proibida a publicidade e “amostra grátis” desses produtos e; a prescrição dos produtos de Cannabis é restrita aos profissionais médicos legalmente habilitados pelo Conselho Federal de Medicina.

A partir do artigo 16, inicia-se o Capítulo III da RDC, dedicado aos procedimentos relacionados à Autorização Sanitária, estendendo até o artigo 44 para determinar os requisitos gerais, condições às empresas antes da solicitação e documentos necessários, controle de qualidade, rotulagem, embalagem, folheto informativo, rastreamento e transporte dos produtos. Esse Capítulo chama atenção pelo conteúdo do artigo 18, que em seu parágrafo único estabelece que as empresas deverão importar o insumo farmacêutico nas formas de derivado vegetal, fitofármaco, a granel, ou produto industrializado, vedando a importação da planta in natura ou de partes dela. Isso significa, portanto, que os interessados na fabricação nacional do produto não poderão cultivar a matéria-prima, gerando à indústria farmacêutica um custo desnecessário que refletirá no valor final do produto de Cannabis colocado no mercado.

O Capítulo IV regulamenta a necessidade de alteração da Autorização Sanitária obtida por uma empresa. Pelo artigo 45, impõe-se à empresa que a realização de alterações na AS necessita de prévio protocolo de um novo formulário de petição, acompanhado de devida justificativa e atualização das informações modificadas. O artigo 46 descreve os casos de alteração que, após o protocolo, podem ser implementados imediatamente pela empresa. O artigo 47 encerra o Capítulo IV redigindo sobre as alterações que necessitam, além do prévio protocolo, a aprovação da ANVISA antes de sua implementação, elencando de forma taxativa as seguintes situações: alteração de layout da rotulagem e embalagem; alteração do local de fabricação do derivado vegetal ou fitofármaco; alteração de local de uma ou mais etapas de fabricação do produto acabado; as relacionadas aos testes, limites de especificações e métodos analíticos do controle de qualidade do produto acabado; prazo de validade e cuidados de conservação; excipientes e suspensão de fabricação.

O Capítulo V trata dos controles, iniciando a primeira seção com as condições para a prescrição dos produtos de Cannabis, indicação, forma de uso e a necessidade de o paciente assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual deve estar complementado com os dados específicos do produto de Cannabis. O artigo 50 impõe ao médico o dever de fornecer ao paciente determinadas informações sobre o produto prescrito. As seções II à V desse Capítulo dispõem sobre a dispensação, importação e monitoramento dos produtos. A seção VI delega à Vigilância Sanitária a competência para fiscalização. A RDC termina nas disposições finais e transitórias do Capítulo VI, determinando por meio do artigo 73 que os produtos de Cannabis autorizados terão prazo de até 365 dias para serem comercializados, contados a partir da data de publicação da concessão da autorização.

Com a possibilidade de aquisição dos produtos em território nacional inaugurada pela RDC nº 327/2019, é notável o maior acesso da população ao tratamento de enfermidades – físicas ou mentais – com os produtos de Cannabis, em virtude da redução de burocracias e celeridade de procedimentos por ela proporcionada. A partir de sua publicação, o sítio eletrônico da ANVISA, por exemplo, disponibiliza ferramentas e serviços online que servem de auxílio para o acesso às facilidades proporcionadas pela RDC 327/19, como o pedido de autorização para importar produtos derivados de Cannabis e solicitações de regulamentação e alteração de produtos de Cannabis. Sobre o custo para aquisição dos produtos de Cannabis, embora reduzidos (em relação aos diretamente importados), ainda se mantém elevados de forma a impedir o acesso de todas as pessoas que necessitam desse tratamento.

REFERÊNCIAS

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da diretoria colegiada – RDC nº 327, de 9 de dezembro de 2019. Disponível em: https://www.inºgov.br/en/web/dou/-/resolucao-da-diretoria-colegiada-rdc-n-327-de-9-dedezembro-de-2019-232669072 Acesso em 09 mar. 2021.

SEALES, Rebecca. BBC – O crescente mercado da Cannabis medicinal para cachorros nos EUA. 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-42486082 Acesso em 09 mar. 2021.

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